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Opinião: Por que afastaram Ari Queiros

A ministra Eliana Calmon, quando era a “xerife de saias” no Conselho Nacional de Justiça, denunciou a influência de ex-ministros e filhos de ministros nos Tribunais, mas não mencionou escritórios, como o “Corrieri, Noronha e Bemfica”, que tem como sócios Roberto Henrique Couto Corrieri, Wilson Carlos Vilani, Leandro Bemfica, Ana Carolina e Otávio Henrique Menezes de Noronha, estes dois últimos filhos do ministro João Otávio de Noronha.

Todos eles advogam no STJ. Pelo que entreouvi numa conversa durante  visita que fiz ao escritório Bitencourt & Naves Advogados Associados”, em Brasília, a parte que contratar um escritório “bem relacionado” já entra ganhando, pois quem garante que um ministro, ativo ou aposentado, não vai fazer “embargos auriculares” junto aos colegas votantes? Só o escritório “Corrieri, Noronha e Bemfica” tinha em 2011 nada menos que 256 processos em andamento no STJ. Imaginem quantos escritórios de ex-ministros, de filhos de ministros e de ex-ministros gravitam em torno do STJ!…

O ministro Joaquim Barbosa, logo que foi escolhido, em novembro de 2012, presidente do STF e antes de assumir a presidência do CNJ, foi objeto de matéria na revista Istoé (edição nº 2.246, de 28/11/2012), que, na página 42, diz “A amigos, Barbosa disse que uma de suas primeiras medidas frente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) será enfrentar a advocacia de filhos de magistrados de tribunais superiores. Na condição de presidente do colegiado, o ministro vai tentar convencer os 15 conselheiros a proibir essas práticas. Entre os atingidos pelas mudanças na regra estão filhos do atual corregedor do CNJ, ministro Francisco Falcão. A OAB, no entanto, deve reagir”.

A imprensa nacional noticiou em 21/12/2012, sob o título “Presidente do CNJ ataca advocacia de parentes nos Tribunais”, e voltou a censurar a atuação, como advogados, de parentes das autoridades do Judiciário, nos Tribunais em que estes trabalham. Para ele, tal situação fere o princípio da moralidade e do equilíbrio de forças que deve haver nos processos judiciais. “Sou visceralmente contra. Esses filhos, esposas, sobrinhos de juízes são muito acionados pelos seus clientes pelo fato de serem parentes, não pela qualidade técnica do seu trabalho”. Confiado na demonstração de seriedade e desassombro do novo presidente do STF e do CNJ, o brasileiro esperava que ele desse um basta no comportamento de certos ministros aos quais as mãos do CNJ jamais alcançaram.

Estourou como bomba, no dia 08/10/2013, o afastamento do juiz Ari Ferreira de Queiroz, conceituadíssimo constitucionalista de Goiás. A decisão do CNJ foi cautelar para afastar o magistrado pelo tempo em que durar o processo, ou se alguma outra decisão judicial promover a suspensão. Mas uma liminar de 9 de abril de 2014 do ministro Ricardo Lewandowski determinou seu retorno.

Aparentemente, o afastamento fora em razão de uma decisão em favor do cartório do empresário Maurício Sampaio. Mas foi só pano de fundo, pois o magistrado proferira centenas de decisões similares e esta até tinha transitado em julgado

E o “Diário da Manhã”, na época, através de sérios articulistas, como o Prof. Licínio Leal Barbosa, respeitadíssimo jurisconsulto, saiu em defesa do magistrado, que nunca dera mostras de parcialidade nem de suposto enriquecimento ilícito. Pelo contrário, sendo um dos mais sérios e competentes magistrados goianos, seu afastamento soou como bomba no meio jurídico, forense e social. Mas parece que o “Conselhão” é impulsionado por interesses outros, que não os exclusivamente legais.

Ocorre que, dias antes, estivera no gabinete do juiz Ari Queiroz o advogado Djaci Falcão Neto (“Didi” ou “Falcãozinho”), filho do ministro Francisco Falcão (então Corregedor Nacional de Justiça e hoje presidente do STJ), que, embora sem procuração nos autos de uma execução, queria discutir com o juiz os cálculos: o contador judicial fixara o valor em menos de dois milhões, e “Falcãozinho”, que não era advogado nos autos, argumentando ter sido contratado pelo credor para “acompanhar” o processo, trouxe uma planilha, encomendada a um perito particular de Brasília, onde o valor da dívida chegava a quase nove milhões!

O devedor, um grupo de Caldas Novas-GO, concordara em quitar a dívida estabelecida pela Justiça, o que fez com que o filho do ministro se voltasse contra o magistrado, comentando que este “não sabia com quem estava mexendo”, ainda mais que “Falcãozinho” era muito ligado a autoridades do Foro de Goiânia, inclusive um ex-Diretor, com quem se reuniria sempre no bar “L´Étoile d´Argent”, na Rua 1.136, no Setor Marista, para ratear propinas. Foi o que se soube no próprio Fórum, notícia que passeava de boca em boca.

Não demorou muito, o ministro Francisco Falcão mandou afastar Ari Queiroz, na sessão de 8/10/2013. Coincidência?

E no dia 10 de março em curso, o CNJ pautou o processo contra Ari Queiroz (PAD 0006017-28.2013.2.00.0000), quando se mobilizaram 15 conselheiros (metade dos quais de outros Estados, com passagens e polpudas diárias) que julgaram apenas 4% (quatro por cento) dos processos pautados. E os que foram julgados eram todos disciplinares, que parecem ser o “cavalo de batalha” do “Conselhão”, já que além dos disciplinares há mais 14 outros procedimentos diferentes de sua competência. A relatora, conselheira Maria Cristina Peduzzi, fez questão de ressaltar no seu voto que não havia nenhum indício ou sequer cogitação de que o magistrado tenha recebido alguma vantagem para decidir como decidiu; e mesmo alegando que não havia elementos para aplicar qualquer penalidade (por falta de tipificação na lei própria), votou pela aposentadoria compulsória, atropelando a coisa julgada e – pior – desconstituindo um ato judicial por meio de um administrativo. O jornalista Paulo Beringhs, no “Programa JBC” da TV Cultura, na edição da noite do dia seguinte (11/03), denunciou com estranheza o fato.

Como o horário se esgotou, o presidente, ministro Ricardo Lewandowski (que havia determinado por liminar o seu retorno ao cargo), encerrou a sessão, apenas com o voto da relatora, que deverá ser discutido no dia 24 de março. Mas o povo e a comunidade jurídica precisam saber os meandros desse novo “Tribunal do Santo Ofício” do século XXI, cujos integrantes – estes, sim! – se acham deuses.

Liberato Póvoa

[email protected]   (Desembargador aposentado do TJ-TO, escritor, jurista, historiador e advogado)

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